Título: "encounter"
Data: 1971
Artista / Grupo: Allan Praskin Quartet
Nº do Catálogo: TBM-7, TBM-2507 (Reedição 1977)
Line-up:
Allan Praskin - Saxofone Alto
Kiyoshi Sugimoto - Guitarra
Yoshio Ikeda - Contrabaixo
Motohiko Hino - Bateria
Faixas:
01 - Softly, As In A Morning Sunrise (11:37)
02 - The Height Of Spring (10:40)
03 - Encounter (06:57)
04 - Reflectors (06:21)
05 - Blues Connotation (08:21)
Mais um capítulo do livro gaijin jazz. Aproveitando a reunião de músicos de "Q" (TBM-06), o sétimo álbum dos três ratinhos juntou, na mesma sessão, os sopros americanos da vanguarda com o talento nipónico acabadinho de sair da escolinha. Allan Praskin aterrava no país do sol nascente, qual missionário jesuíta moderno, oferecendo workshops, não de cristandade, mas de música negra aos nativos. E, atentamente, eles escutavam como esponjas absorventes. Dois dos japoneses do quarteto tinham gravado as suas primeiras coisas apenas um ano antes: Kiyoshi Sugimoto e Motohiko Hino (também já associados no álbum do baterista, Beat Drum) estreavam-se com dois fortes álbums enquanto band leaders, Country Dream e First Album respectivamente. Yoshio Ikeda, menos notório, mas mais prolífico, associava-se tanto às popalhadas açucaradas de Sadao Watanabe, como ao jazz espiritual de Terumasa Hino e ainda às composições acidentais de Masahiko Togashi. Guitarra, bateria e contrabaixo entravam no estúdio para tirar notas. Sempre atrás de um saxofone a cavalgar, tentando ensinar aos novatos a melhor forma de dar um nó de marinheiro no meio de uma tempestade em alto mar. Algures em Tóquio, brincava-se ao jazz.
Com Softly, As In A Morning Sunrise, Praskin evangeliza logo os músicos na arte da interpretação (ou melhor, interpenetração), já que aqui se desconstrói um standard. Praskin começa, solando à lonesome cowboy, sendo depois auxiliado por um saltitante contrabaixo e, finalmente, pela bateria chincalhona. O silêncio do sopro dá lugar a um solo portentoso de Sugimoto. Só os japoneses tocam agora. Querem impressionar o estrangeiro, mostrar do que são capazes, que o jazz é arte recente no Japão, porém viva e borbulhante. Praskin volta a carga, depois de receber o testemunho de Sugimoto. Hora de puxar pelos galões, isto é, ir mais além na escala, rasgando discretamente o ar, preferindo rotundas a auto-estradas musicais. A secção rítmica chocalha em esforço, mas são as dedilhadas de Sugimoto que vão conferindo a segurança melódica que a velocidade de Praskin progressivamente necessita. Uma forma de entrosamento melódico baseado na dissonância do saxofone e nas notas de confirmação da guitarra. Lá para o final, Praskin volta ao tema, como que carnavalizando-o. É nessa intensidade circular que se nota o primeiro pico desta banda improvisada, mas já tão firme.
Swing a esta hora? The Height of Spring inicia-se com um pequeno pregão melódico, uma espécie de som provocatório típico de crianças fazendo chacota de alguém (será dos músicos?). No entanto, toda a banda está suficientemente aquecida para iniciar a viagem super-sónica antecipada por este sopro traquina. É sempre Praskin que vai à dianteira, expulsando notas; logo atrás Sugimoto com a guitarra embalada pela subida e descida de escalas; Hino e Ikeda, não querendo ficar para trás, pactuam na intensidade (note-se o vigor de Hino). Eis que Praskin regressa ao tema duas vezes unicamente para deixar os alunos brilharem. É aqui que a faixa encontra a sua melhor secção, estranhamente sem precisar do saxofone do líder. Mil vénias para esta guitarra cacofónica à beira de um abismo estridente que ecoa e se repete, sem medos de trazer todas as influências rockeiras para o meio da banda. De seguida, Ikeda, finalmente. Bravo para o trio japonês: um contrabaixo que rememora Stanley Clarke nos seus melhores dias com uma sonoridade pesada, gorda e grossa, incrível para os ouvidos e para um pé que não cessa de bater; uma guitarra-bateria-almofada que participa na exacta medida da sua necessidade, lá longe, discreta, slowly but surely. No canto, imagina-se Praskin a ganhar fôlego para o que vem a seguir: o tema traquina, outra vez, mas agora despontando num foguetão furando nuvens e atmosferas. Há fumo no estúdio! E o fogo? Só nos pulmões abrasadores de Praskin e nos trinta dedos do trio. Juntos em uníssono recriam a experiência auditiva de um vórtice. A intensidade é tanta que, quando o silêncio enfim regressa, consegue-se ouvir um bater de palmas, como se tal desfecho fosse uma surpresa para todos os intervenientes. Ponto alto do álbum, sem dúvida.
Encounter, que dá nome ao álbum, e Reflectors partilham do mesmo estilo, mas não da mesma intensidade. São faixas quase exclusivas de Praskin em que o resto da banda actua, infelizmente, como "elo mais fraco". A primeira acaba por ser semelhante às secções mais frenéticas das faixas anteriores com a banda aos círculos, fumegando e sem paragens para respirar. Há um pequeno solo de Sugimoto notável já no final que nos relembra da importância destas passagens mais livres e individuais onde os silêncios são mais respeitados. Reflectors é Praskin em puro modo swing. Vale a pena ouvir pelo modo como o som deste alto se enrola e harmoniza na crista da onda.
Nada melhor para finalizar do que um blues. Irrequieto, Praskin devolve-nos a melancolia da alegria nas primeiras notas de Blues Connotation. Mas é Sugimoto, outra vez, que nos surpreende, justamente na sua dimensão conotativa. Uma suavidade situada lá atrás que não quer servir exclusivamente de complemento para os excessos do alto e da bateria. Várias vezes damos com o nosso ouvido a tentar encontrar aquele apontamento genial de uma guitarra que ora redobra a ansiedade, ora manda calar a euforia dos colegas de métier. Agindo simultaneamente como superlativo da banda e como sua contradição, acabamos por perceber o papel fundamental destas cordas, ainda com pouca experiência, mas já tão promissoras. É caso para dizer que a montanha pariu um rato, mas o rato era tão magnânimo como a montanha.
Melhor Solista: Kiyoshi Sugimoto
Melhor Faixa do Álbum: The Height of Spring