16/05/2018

TBM-02(42) Masaru Imada Quartet - NOW!! (1970)


Título: NOW!!
Data: 1970
Artista / Grupo: Masaru Imada Quartet
Nº do Catálogo: TBM-2, TBM-42 (Reedição 1975), TBM-2502 (Reedição 1977)

Line-up:
Masaru Imada - Piano
Ichiro Mimori - Saxofone Tenor e Soprano
Takashi Mizuhashi - Contrabaixo
Masahiko Ozu - Bateria

Faixas:
01 - Nostalgia (10:15)
02 - Alter (08:48)
03 - Gehi Dorian (10:00)
04 - The Shadow of the Castle (09:53)


A reputação de Masaru Imada deve-se, em grande parte, à editora dos três ratinhos. Antes de lançar este NOW!! (a primeira edição de 1970 usava dois pontos de exclamação e por isso os mantemos, a despeito de um deles ter sido retirado em todas as reedições posteriores), o jovem pianista tinha, em duas ocasiões diferentes, dado uma perninha (ups, mãozinhas) ao baterista Takeshi Inomata e ao saxofonista Hiroshi "Sleepy" Matsumoto - o último também viria a gravar para o João Ratão, Takeshi "Tee" Fujii, uns anos mais tarde. A presença assídua no catálogo TBM a partir daí fez de Imada o segundo artista mais gravado da companhia, ficando atrás apenas de Tsuyoshi Yamamoto, outro pianista. Como perceber a razão deste sucesso? Competência técnica, claro, audácia criativa, evidentemente, mas também um excelente primeiro disco. E que disco! Nostalgia, com o tímido tilintar de sinos, sets the mood para o que virá depois. O arrastado saxofone lírico de Ichiro Mimori chora rios por nós e o piano de Imada, descontente com a sobriedade que ainda podia ter resistido, carrega ainda mais o dedo na ferida com notas finas que nos relembram o melhor de McCoy Tyner. É como se tivéssemos entrado com pés de lã num clube apertado e escuro de jazz, com a neblina do tabaco a fazer humedecer os olhos do mais virginal portador de traqueia. De súbito, mexendo no copo de álcool musicado com gelo, um sentimento de tristeza colectiva vem ao nosso regaço, como só acontece com os acordes equilibrados de um quarteto de jazz. Falei em choro, e não é que o contrabaixo de Takashi Mizuhashi (com muito mais abertas para se fazer ouvir, ao contrário do que acontecia no jazz sónico de Kosuke Mine em "Mine") fala a lamuriar-se? Uma tecitura rugosa, queixosa, porém firme, como um velho inconsolável que não come as sílabas ao expressar as suas dores. O solo de Mizuhashi lá para o fim faz-nos querer abraçar o ar que permitiu a propagação do som das cordas vibrantes e expressivas. Imada resgata a melancolia debaixo da terra e segura-a, num bálsamo, com o seu piano-riacho. O tenor de Mimori diz-nos um último adeus com a banda ao fundo a aprontar despedidas. Presos à cadeira do clube de jazz, já não queremos sair sem antes nos intoxicarmos com qualquer coisa.

Todos os instrumentos viram percussão em Alter, faixa consideravelmente mais experimental. Serão estes os efeitos secundários do narcótico que pedimos ao terminar Nostalgia? Os pratos da bateria chocalheira de Masahiko Ozu procuram a amizade conflituosa dos dedões de Mizuhashi nas cordas grossas do seu contrabaixo. Acresce a isto a temeridade de Imada que mergulha para dentro do seu querido instrumento e começa a produzir sons inquietantes ao puxar os intestinos do seu piano para fora com toda a gente a ouvir. Sim, esta é uma faixa de prestações individuais e intensidade física (se fosse um filme de terror seria gore), bastante mais ilustrativa do hemisfério esquerdo do cérebro do que do direito. "Quietos! Isto é um assalto". Não sou eu que o digo, mas o saxofone soprano de Mimori que chuta o experimentalismo cerebral dos seus colegas para canto e começa a encantar serpentes, como um sábio místico. E as serpentes somos nós? Com certeza. Existe algo de arábico neste abrasador sopro atonal. Ou será oriental? De certeza que não vem do mesmo sítio de Mozart. Voltando às teclas do seu piano-cadáver, o necrófago Imada transforma cada martelada numa tempestade enquanto o soprano hipnótico continua a sua jornada. Depois, só as intervaladas vibrações do contrabaixo nos podem acordar do pesadelo, como aqueles sons de alarme que se imiscuem nos sonhos para nos puxar para o real.

Gehi Dorian confirma a inspiração e as lições mccoyianas que já tínhamos pressentido anteriormente. Um piano completamente fluído que vai de uma ponta à outra numa questão de segundos; escalas que são alternadas com uma facilidade irrepreensível, como se fosse um jogo. Esta é a faixa modal do álbum. Claro que um teórico poderia referir a predominância das escalas pentatónicas e divagar sobre os detalhes técnicos que tornam aqui tudo tão especial, mas eu não tenciono aborrecer-vos, ainda para mais quando se trata da faixa mais lixada (com "f" e no bom sentido) de todo o álbum. É preciso, no entanto, fazer uma pequena referência ao tenor de Mimori, qual Joe Henderson saído de Shinjuku. Se Imada prevalece no tema (e extraordinariamente, diga-se), é no soul arrepiante de Mimori que vamos buscar toda a energia para abanar a cabeça e bater com o pé no chão. Infectante, sem sombra de dúvida.

O último vértice do quadrado Lamento-Experimentação-Virtuosismo é Balada. E The Shadow of the Castle é essencialmente isso, apesar de continuarmos a pisar território modal. Se há faixa que melhor isola o talento de Imai simultaneamente como intérprete e compositor, esta levava o prémio para casa. O piano só se silencia em curtas improvisações da banda (uma pequena para cada instrumento do quarteto) e, de resto, há uma longa sequência em que ele dialoga com o contrabaixo e bateria, solando como num saloon para a frentex. Note-se também a maneira como os primeiros segundos da composição se vão desabrochando em algo bastante diferente. É este o insuspeito charme das bandas de Imada, um homem que domina a história do jazz sem ter sido testemunha dos seus desenvolvimentos em primeira mão.


Classificação: ****
Melhor Solista: Masaru Imada
Melhor Faixa do Álbum: Nostalgia

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